Família, 1.
Por vezes, em concessão pelos acertos, seu coração se aproximou. Em tantas outras, ao errar, eu o observei partir. Mas eu errava muito. Era necessário cavar novamente...
Cavei até alcançá-lo, até sentir seu calor e seu brilho.
Com os dedos queimados, recuei.
Pelas frestas cavadas a pedidos e buscas, observei o seu coração.

Dedos dobrados, pousei os punhos sobre meu próprio coração. Pedi a sua ajuda, e compreendi que pedia pela minha também.
Não estou aqui... mas continuarei aqui.
Entreguei a parte que lhe cabia do meu próprio coração.
Pelas frestas cavadas a distância e sob compreensão, observo o seu coração.

Ao pensar no seu coração, não posso deixar de pensar no seu cuidado. Ele, que sempre olhou por mim e pelos outros. Ao escutarem o seu nome, lembram-se sempre do seu calor...
E, quando me vem o seu rosto, ele chega com um sorriso, um mundo encantado, a liberdade de ser.

A você, que sempre confiou tanto na vida, eu devo a arte, a coragem e o contentamento com o que há de mais simples. A você, eu devo um amor infinito.

E assim o seu coração criou para o nosso um mundo lindo no qual o sofrimento não entraria. Nem mesmo o seu...

Com o tempo, aprendi que esse coração, que sempre nos dera o cuidado, precisava dele também. Aprendi que, olhando mais de perto, nos segredos da vida íntima e familiar, há sempre um coração também frágil e humano que se fez forte por toda uma vida, muitas vezes mais pelas nossas que por sua própria.

E eu me orgulho tanto de hoje vê-la viver a sua própria vida. Eu me orgulho de cada passo que ousou dar, ainda que não fosse o que esperavam de você.

Porque se me perguntassem o que eu espero, diria apenas isso: que você seja feliz, assim como me fez ser.
Alguns corações, levamos uma vida para entender...

Nos primeiros dez, tive o seu coração guiando o meu, sua mão segurando a minha, e as respostas às muitas perguntas.

Mais oito, passei a não compreender o seu tempo, sua conformação, sua quietude. Seus olhos ainda me procuravam para perguntar se estava tudo bem quando eu me escondia. Ainda assim, eu respondia que sim, e me afastei.

Uma vez, mandou-me uma mensagem que dizia "é melhor estar em paz do que estar certo", mas aos 18 eu queria apenas estar certa. Ri, e disse: "jamais".

Hoje, quase tudo faço pela nossa paz...

Mais sete, e eu me pergunto como pude não enxergar. Corro pelo seu coração, mas talvez eu corresse pelo meu.

Dois, eu sinto a sua falta, mas você está logo ali.

Dois, eu sinto a sua falta, mas começo a compreender que o que sinto, na verdade, é sua presença. Mas quem precisa aprender a senti-la sou eu.
Ocupamos lugares diversos no mundo. Talvez sejam até dois mundos diferentes... no entanto, aprendemos a viajar em nossa linguagem para dizer: ainda estou aqui.
Ocupamos cada qual a nossa forma de viver, mas ainda preciso, volta e meia, ouvir: "o maior ato de amor é deixar o outro apenas ser".
Com bondade e clareza, você me trouxe seu coração.
Talvez eu os tenha reconhecido pelos seus olhos tão abertos, curiosos. Senti, desde então, que eu já o conhecia.

Com a mesma curiosidade, acompanhou risonho minhas tentativas de me encontrar. Eu não esperava nada além de traçar a minha fuga, e a compartilhava em detalhes com você. Isolada naquele quarto, seu coração simples e paciente me trouxe tantas alegrias.

E foram muitas mudanças desde então...

Em muitas delas, tive medo de que o meu coração, que sempre carregou tantos outros, fosse pesado demais. Em muitas outras, achei que este peso não cabia a mais ninguém, e que seria mais prudente me afastar. Mas seu coração disse ao meu que os carregaria junto se fosse preciso. E assim o fez, até que eu estivesse pronta para aos poucos devolvê-los, e compreender que era necessário deixá-los viver também.

Obrigada, coração, por me ensinar tanto sobre o amor. Por me ensinar a confiar um pouco mais na vida e em mim mesma também. A sua força, cuidado e bondade me fazem, todos os dias, brilhar o meu coração pelo seu.

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